Amizade e beleza num filme brasileiro.
Com protagonistas mulheres e negras, filme
“Garotas” discute amizade feminina
Sucesso em festivais internacionais, longa da diretora Céline Sciamma
narra história de amadurecimento a partir de personagens que o cinema costuma
esquecer
Por r Luísa Pécora , iG
A primeira cena de “Garotas”, drama francês que
estreia nesta quinta-feira (30), já indica se tratar de um filme disposto a
contrariar padrões. Depois de um jogo amador de futebol americano, marcado pela
correria e os empurrões de sempre, a retirada dos capacetes revela rostos inesperados:
os de meninas negras.
É a primeira de várias ocasiões em que “Garotas” desafia estereótipos de
gênero e do próprio cinema. Ao discutir a amizade feminina, a diretora Céline
Sciamma (de “Lírios D’água” e “Tomboy”) faz com os homens o que tantos
filmes fazem com as mulheres: os reduz a coadjuvantes que existem apenas para
servir às narrativas delas.
Para o filme, Sciamma escalou quatro atrizes amadoras, encontradas num
longo processo de testes com garotas francesas. A ótima Karidja Touré
interpreta Marieme, jovem de 16 anos que vive em situação difícil na periferia
de Paris. O pai não está por perto, a mãe trabalha como faxineira e pouco para
em casa, o irmão mais velho é violento e as irmãs mais novas são sua
responsabilidade.
Sem tempo para os estudos, Marieme é informada de que suas notas não são
boas o suficiente para que faça o curso que deseja. Neste momento de desamparo,
encontra Lady (Assa Sylla), Adiatou (Lindsay Karamoh) e Fily (Mariétou Touré):
“Você tem cara de marrenta”, diz Lady, a líder. “E daí?”, pergunta Marieme. “E
daí que isso me interessa.”
Rapidamente ela se torna parte do grupo: troca as tranças pela chapinha,
as roupas largas por um visual sexy e a timidez pela atitude. “Você faz o que
quiser”, ensina Lady a Marieme, conforme ela começa a ser dona das próprias decisões,
É ela quem decide, por exemplo, a hora de perder a virgindade, em outra
ocasião em que o filme inverte o que (ainda) costuma ser considerada a ordem
natural das coisas: ela, não ele, toma a iniciativa. Outras quebras de
expectativa virão: garotas brigando nas ruas, traficando drogas, enfrentando a
autoridade masculina.
Sciamma quer falar mais sobre garotas do que sobre racismo: seu tema
principal é como uma menina vira mulher e o papel do grupo nesse processo. Mas
a diretora não ignora o contexto social em que filma, mostrando como a falta de
oportunidades e a violência muitas vezes forçam as jovens a crescer e
endurecer.
O que torna “Garotas” um filme comovente é o fato de, apesar das
pequenas contravenções, Marieme não querer muito mais do que aquilo que o
título indica: poder ser uma garota. “Quero ser como todo mundo, normal”, ela
diz.Em uma cena central, as quatro jovens da gangue alugam um quarto de hotel e
se produzem com roupas roubadas. À primeira vista, parecem se preparar para uma
noitada nas ruas. Mas não: se divertem dublando “Diamonds”, da cantora Rihanna,
em meio a abraços e gargalhadas. É, sem dúvida, o ponto alto do filme, e
uma das raras vezes em que o cinema recente representou com perfeição o que é
ser uma garota.
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