O mundo trabalhando
Os
hábitos de trabalho que brasileiros “estranham” em 4 países
Dos EUA a África do Sul, CEOs, trainees, gerentes
compartilham experiências de adaptação em países pelo mundo
Por Ana
Pinho, do Na Prática
access_time 26 fev 2017, 06h00
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(Ingram
Publishing)
Por mais que a cultura de trabalho seja algo
específico de cada empresa – e que algumas têm mais forte e outras não –,
também é fato que o contexto mais amplo, do país em que se vive, influencia na
maneira como as pessoas trabalham.
Da carga horária à formalidade das relações,
passando pela maneira como são marcadas reuniões ou como os funcionários são
promovidos, cada país possui alguns traços culturais específicos que juntos
formam uma cultura de trabalho própria.
A seguir, bolsistas da Fundação Estudar (que está
com seu processo seletivo de bolsas aberto até 24/3)
que vivem e trabalham no exterior compartilham suas experiências com a cultura
de trabalho de onde vivem, dando conselhos para quem pretende ganhar
experiência profissional fora e mostrando o que nós, brasileiros, poderíamos
aprender com os hábitos de outros países.
Estados
Unidos
Pela terceira vez nos EUA, após um período na
Argentina e outro na Espanha, Rodolfo Coelho se mudou pela primeira vez para
fazer seu MBA na Tuck School of Business, da Dartmouth
College, em 1995. “Sempre me planejei para estudar fora e aprendi inglês
desde cedo – e mesmo assim ainda me lembro do primeiro de de aula, quando vi
quão distante minha fluência estava da linguagem cotidiana”, lembra.
Hoje Chief People Officer da AbleTo, uma empresa de
saúde comportamental com sede em Darien, no estado de Connecticut, ele também
passou por Miami e pelo Burger King, onde foi chefe de construção e
desenvolvimento da América do Norte.
“Os americanos são mais pragmáticos e focados, o
que resulta em maior produtividade, e mais formais”, resume. “No
início, parecem um povo frio e distante, mas na verdade tem apenas uma maneira
diferente de encarar o mundo e que traz grandes benefícios.”
“O americano é realmente menos sentimental, tem
pouco bate papo numa reunião, se afastam do abraço”, concorda Adriana Lynch, que saiu
do Brasil para fazer seu MBA na Universidade Harvard nos anos 1990 e hoje é
dona da própria empresa de marketing na Califórnia. “No começo eu me ofendia,
mas o brasileiro que vem trabalhar aqui precisa entender esse traço.”
“E isso não requer renunciar a sua cultura”,
continua Rodolfo. “É apenas acrescentar os valores do novo país ao seu.”
Suíça
O caminho de Alessandra Porto na Suíça foi mais
impetuoso. Quando estava no último ano de graduação em Engenharia de Produção
no ITA, aceitou uma proposta para fazer seu trabalho de conclusão de curso em
Salzburgo, na Áustria, em 2012.
Encantada com a Europa, decidiu ficar por mais um
ano e começou a buscar um emprego, mesmo sem falar alemão.
(Hoje ela é fluente no idioma.)
“Usei minhas redes de contato do ITA e da Fundação
Estudar loucamente”, ri. “Perguntava se sabiam de alguma empresa que precisava
de estagiário, trainee, qualquer coisa.” Conseguiu uma vaga de trainee em
Baden, cidade em que ficava a filial suíça da Alstom, eventualmente comprada
pela GE Power, e manteve-se no posto por três anos.
[Alessandra na Suíça / Acervo pessoal]
Engenheira de campo na ABB há dois meses – ela conseguiu
o emprego após reconhecer e abordar seu atual chefe na rua e fazer um pitch
espontâneo –, ela consegue ver diferenças culturais mesmo em comparação com seu
trabalho majoritariamente universitário no Brasil, como na empresa júnior do
ITA.
“No Brasil, as pessoas não têm vergonha de
trabalhar e ficam até às 20h. Aqui, deu 17h e o pessoal vai embora. A questão
do equilíbrio entre vida profissional e pessoal é muito grande.”
Acostumada com o ritmo frenético do ITA, ela levou
um tempo para se acostumar. Outros aspectos, fala ela, o brasileiro faria bem
em adotar.
“Se vejo que estou na metade do prazo de um projeto
e vejo que não estou conseguindo avançar, vou ao meu supervisou e falo que
preciso de ajuda. É uma comunicação muito mais aberta do que no Brasil, em que
a competição e a cobrança são muito grandes.”
A questão da adaptação, para Alessandra, exige uma
motivação interna. “Vejo muitos brasileiros que se prendem a sua cultura e
ficam isolados quando a cultura europeia tem muita coisa boa para dar”, fala.
“Observe, escute e veja quem são as pessoas mais abertas e amigáveis e faça
perguntas. Não existem perguntas idiotas!”
Alemanha
A rigidez da jornada de trabalho foi uma coisa que
Ricardo Barreto aprendeu na prática no mercado alemão, uma experiência de altos
e baixos.
Aos interessados, ele avisa: “Ajuste suas
expectativas porque o ambiente de trabalho é menos dinâmico, a progressão de
carreira é extremamente lenta e privilegia os alemães”.
Contratado em 2011, mudou-se para Kassel para ser gerente
sênior de business development de uma firma alemã do setor de óleo e
gás. A proposta era para montar de lá uma subsidiária brasileira, que ele
assumiria quando estivesse pronta.
Após dois anos, com o lugar pronto, a empresa
decidiu enviar um alemão no lugar de Ricardo. “Fiquei sabendo às duras penas
que meu papel era de coadjuvante”, lembra.
[Ricardo Barreto na Alemanha / acervo pessoal]
Logo no início, Ricardo foi advertido a não se
estender além do horário – o departamento de recursos humanos fez um pedido
formal, dizendo que aquilo poderia resultar em problemas com a comissão de
empregados.
Ao mesmo tempo, ele destaca que há benefícios, como
ganhos previsíveis, estabilidade de emprego e equilíbrio entre vida pessoal e
profissional.
“O lado bom foi aprender a conviver com esse timing
de decisão mais lento”, explica. “Eu vinha de uma realidade muito agressiva e
acho que, no Brasil, acabamos ficando muito workaholics. Na Alemanha, a cultura
é a de fazer o que der para fazer no tempo alocado de trabalho. Se não der,
paciência.”
Hoje, ele se prepara para assumir o cargo de CEO da
Elia Grid International na Bélgica, empresa de consultoria do setor elétrico
que pertence ao grupo dono da malha de transmissão de energia elétrica belga e
de parte da malha alemã.
E leva na mala os aprendizados recentes. “A
experiência alemã me deu outra perspectiva. Passei a usar mais tempo comigo, na
minha vida pessoal, sem prejudicar o trabalho”, conclui.
África do
Sul
Ao desembarcar em Joanesburgo, na África do
Sul, em 2015, Olavo Cunha já tinha cerca de 20 anos de experiência como
executivo – e um MBA da Wharton School, da Universidade Pennsylvania – quando
assumiu o cargo da CEO da BRF para o continente africano.
“Profissionalmente, o desafio de desenvolver
marcas, produtos, supply-chain e GTM localizados era excepcionalmente
atraente”, explica. “Pessoalmente, aprimorar a qualidade e segurança alimentar
para mais de um bilhão de consumidores e criar oportunidades e empregos é
profundamente inspirador.”
Foi bom também para a família, que tem com
duas filhas pequenas que se beneficiam da exposição internacional no país, com
mais de dez tribos nativas e descendentes de ex-colonos europeus, entre outras
nacionalidades.
Uma das primeiras reuniões que Olavo teve marcou
sua memória. “Do lado do cliente, havia um afrikaner [um descendente de
holandês], um descendente de inglês, um negro de origem sul africana e um
descendente de indiano”, lembra. “Cada um deles falava inglês com um sotaque
diferente, o que indicava que provavelmente não estudaram nas mesmas escolas e
não tiveram uma infância em comum. Foi um choque.”
[Olavo
Cunha com as filhas na África do Sul / Acervo pessoal]
Hoje acostumado com tamanha
diversidade, ele considera o ambiente de trabalho respeitoso e excepcional.
“Toda esta diversidade se
manifesta no ambiente de trabalho, o que coloca um belo desafio de
flexibilidade e navegação”, diz. “Generalizando bastante, eu diria que o sul
africano tendem a ser estruturado e respeitar muito os processos e horário de
trabalho – e isso ajuda a trazer um pouco de disciplina aos brasileiros, que
têm muita energia e entusiasmo mas bastante dispersão.”
Para entender melhor o país,
ele investiu em livros de história nacional e mergulhou nas comunidades
locais, uma recomendação feita também pelos outros entrevistados.
“Vale muito deixar as
pré-concepções de lado e experimentar as idiossincrasias”, resume Olavo. “Ao
entender o ‘outro’, acabamos aprendendo muito sobre nós mesmos. E este, no
final, é o grande amadurecimento que vem com uma experiência internacional
imersiva.”
- este artigo foi originalmente publicado pelo Na Prática, portal da Fundação Estudar
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